16/09/2009

Início da Guerra de Independência do México



O processo de independência do México marcou a quebra do pacto colonial em uma das mais importantes possessões espanholas no continente americano. Sendo uma região de economia estritamente rural, o México tinha grande parte de sua população vinculada a tais atividades. A crise instalada pelas invasões napoleônicas promoveu uma brecha na qual os primeiros levantes foram organizados.
Mesmo tendo interesses no processo de independência, a elite criolla (filhos de espanhóis nascidos na América) temia que a organização de um processo revolucionário mobilizasse as camadas populares em defesa da ampliação dos direitos políticos, sociais e econômicos. No entanto, a chegada da administração napoleônica, instruída pelos ideais iluministas e o retorno do antigo modelo colonial hispânico, com a queda de Napoleão Bonaparte, foi responsável pela preparação dos primeiros movimentos da guerra.
Em 1810, o pároco Miguel Hidalgo y Costilla ensaiou um primeiro movimento revolucionário. Defendendo o fim das relações coloniais e a devolução das terras às populações indígenas, Hidalgo mesclava idéias anticoloniais e propostas reformistas dentro do movimento por ele organizado. Imbuído de tais propostas, conclamou índios e mestiços para que lutassem contra o governo espanhol. Apoiado por esses grupos, o movimento de Hidalgo perseguiu a gachupines (elite hispânica) e os criollos, considerados pelos populares seus maiores repressores. O movimento obteve grandes proporções e uma verdadeira guerra contra os representantes da elite fora deflagrada. Contando com o apoio das tropas coloniais espanholas, a revolta foi controlada e Hidalgo foi preso e condenado à morte.
No ano de 1812, o sacerdote José Maria Morelos organizou um novo levante popular onde os limites da nova ordem social defendida sofreram forte oposição de uma minoria detentora de posses e direitos. Atentando-se para a força do movimento de independência a própria Coroa se incumbiu de ordenar o processo. Representando os poderes coloniais, Augustín Itúrbide implementou um projeto de reforma política que ficou conhecido como Plano Iguala. Em tal proposta, o México tornou-se uma monarquia independente. No plano político, criollos e gachupines teriam os mesmos direitos políticos. A fé católica e a antiga configuração agrária excludente seriam reafirmadas por esse governo.
Depois de proclamar a independência do país, o México foi governado pelo próprio Itúrbide, sob o título de imperador Augustín I. Não apoiado pelos florescentes movimentos republicanos do país, Augustín foi logo deposto e assassinado. No ano de 1824, o país tornou-se uma república presidida pelo general Guadalupe Vitória.
Sem alcançar os ideais populares das primeiras manifestações revolucionárias, o México apenas assistiu a ampliação da autonomia política das elites que já dominavam a região. Com isso, o processo de exclusão, pobreza e dependência econômica foram ainda responsáveis por outros levantes como o da Revolução Mexicana de 1910.

Fonte do texto: Brasil Escola

05/09/2009

A Historiografia Latino-Americana em Transformação


O entendimento acerca do que seria a "historiografia latino-americana poder-se-ia ser somente sobre "o conjunto das obras de História elaboradas acerca da América Latina" [1] sendo levadas em conta de maneira mais específica, as obras escritas por historiadores originários do próprio território. Contudo, a que se levar em conta o sentido que o termo, a idéia América Latina teria em si, de maneira a se perceber a construção de tal História sob também os auspícios de escritores estrangeiros. Desta forma, a problemática gerada em torno do que seria a América Latina viria a trabalhar o território como um todo. Entretanto, é exatamente a historiografia que demonstra que a América Latina deve ser analisada diante de suas semelhanças bem como de seus contrastes, levando desta forma em consideração os diversos temas e interpretações acerca deste espaço histórico-geográfico. A idéia, assim, de América Latina forma-se por meio de interpretações por vezes complementares entre si, sem, contudo, também possuírem divergências demonstrando sempre que as nações que compõem o subcontinente possuem características semelhantes, mas também pontos que as distinguem e levam suas histórias nacionais a rumos diferentes entre si.
Sob tais visões historiográficas distintas conceitos como civilização e barbárie, instabilidade política, lutas sociais, fragilidade da sociedade civil, autoritarismo, revoluções entre outros se tornam características do subcontinente, como parte da História escrita sobre o território de forma generalizante. Tais visões encerram estilos de pensamentos muitas vezes gerados por autores estrangeiros como os americanistas ou brasilianistas, em geral, estrangeiros, viajantes, curiosos do exotismo do subcontinente, que levam a tomar a História da América Latrina, bem como sua escrita como sobre um todo homogêneo, não distinguindo suas peculiaridades regionais.
No entanto, algumas interpretações mostram tendências e/ou correntes de pensamentos que tratam da multiplicidade de caracteres que compõem os sentidos de sociedade, nação e história na América Latina de forma a tornar sua historiografia mais regionalizada. Tais interpretações chegam mesmo a serem extremamente diferenciadas por abarcarem outras "realidades, situações e idéias"
[2]sendo, contudo, utilizadas como referência comum. Segundo algumas interpretações, América Latina seria o confronto permanente entre "civilização e barbárie". De acordo com outros estilos de pensamento, seria a "instabilidade política" que não abriria campo para progressos e mudanças reais. E, por fim, para outros, a soma entre "barbárie" e "instabilidade" é que geraria as lutas sociais perfazendo, então, uma gama diversa de interpretações que demonstram não um apenas caminho que esteja sendo trilhado pela historiografia latino-americana, mas vários que se fiam exatamente pelas características, semelhantes e de contraponto, que comporiam a História Latino-americana.
A todo este contexto junta-se o interesse dos pesquisadores norte-americanos por temas da realidade latino-americana. Por conta do processo de formação da História do território possuir um caráter universalizante, a influência estrangeira se faz sentir. Em relação aos norte-americanos o interesse pela História Latino-americana seria uma forma de evitar futuros "problemas" como o fora a chamada Revolução Cubana. Tal ação de possível caráter político-externo visando um controle sobre as ações e manobras surgidas no contexto latino-americano numa forma de reação a eventos políticos como este gerara uma intensificação da produção de obras de caráter americanista de forma a apreender os mecanismos de funcionamento do subcontinente, que, se não benéfica, demonstrou que havia muito ainda para ser trabalhado e analisado sobre o que seria a América Latina e suas múltiplas faces.
Todavia, campos de estudos mais bem organizados para o trabalho historiográfico são poucos. Ciro Flamarion cita alguns que teriam preparo para que ocorressem produções historiográficas as quais não deixariam a desejar em relação em relação a uma comparação com as produções internacionais
[3]. Em primeiro lugar, o autor cita o México como campo de estudo na vanguarda da historiografia latino-americana e possuidor de vasto material de pesquisa. Em seguida, viriam Brasil e Argentina que, apesar de relativamente atrasados em alguns pontos, também são áreas de trabalhos proveitosos. Depois destes, situando-se numa área intermediária, viriam Venezuela, Peru e Costa Rica e, por último, contudo em posição desfavorável, se localizariam Honduras, Equador e Paraguai. Os demais países, por fim, sequer são citados, demonstrando o quanto ainda os campos de estudos que necessitam de atenção praticamente inexistentes em relação à produção historiográfica.
À falta de trabalhos preparatórios vem se juntar a heterogeneidade regional que levam a conclusões superficiais e parciais sobre os estudos fazendo muitas vezes com que os estilos de pensamento latino americanos se aproximem das teorias, temas e paradigmas da Europa e Estados Unidos, numa tentativa de completar as lacunas com modelos não-latino-americanos pré-concebidos para trabalhar a análise historiográfica perfazendo um ciclo de intercâmbio que não satisfaz completamente a compreensão do que se entende, por exemplo, por América Latina influência exógena ocorre então numa mescla intermitente das correntes de pensamentos latino-americanas com as teorias externas ao subcontinente que acabam por gerar produções descaracterizadas, no que concerne ao âmbito local, por sofrerem a influência de culturas, por meio de seus modelos de análises, não locais, levando, assim, a uma problematização segundo critérios que não abarcam as singularidades, as particularidades inerentes à própria América Latina.
A partir da década de 1970, segundo o ensaio de Carlos Henrique Paiva, a historiografia latino-americana voltou-se para um estudo das particularidades focando os trabalhos historiográficos nas análises que tratassem da chamada "história social", dos traumas e medos que decorreriam do processo de colonização da América.
Ciro Flamarion, contudo, vai mais longe ao pinçar os fatores gerais de desenvolvimento da historiografia na América Latina iniciando-se aproximadamente na metade do século passado, ressaltando que muito do que então fora produzido limitava-se aos espaços acadêmicos não gerando discussões de ordem pública benéficas a geração de conscientização e questionamento social. Alem disso, nas produções historiográficas latino-americanas permanecera inexistente uma continuidade, um prosseguimento em tais estudos, por uma verdadeira ausência de planejamento temático das pesquisas; de maneira que, por ser uma escolha individual, perder-se-ia por completo a densidade que ocorreria numa pesquisa para a qual se voltasse um grupo maior de especialistas.
Tal dispersão de temas também seria conseqüência do isolamento em que muitas vezes se encontraria o pesquisador. Em menor número e não tão valorizados, estes profissionais não podiam fazer uso de uma intercomunicação com outros iguais que levasse a se tornar público não apenas o seu trabalho mas também criando um intercâmbio sobre o nível em que se encontrariam outras problemáticas da historiografia latino-americana semelhantes pelo resto do subcontinente.
Tal interligação não apenas contribuiria para uma melhora considerável na produção histórica latino-americana como também suscitar novos caminhos para a análise local que diminuiria a influência de problemáticas exógenas; levando os pesquisadores a buscarem em seu próprio âmbito os instrumentos, os critérios metodológicos, técnicas, conceitos e paradigmas condizentes com uma realidade não-européia e/ou não-norte-americana. E em se tratando de romper com esta tendência historiográfica, aonde os temas, problemas e questões têm seus modelos explicativos importados pra fins de uso nas análises sobre acontecimentos locais, autores como Enrique Florescano e Maria Ligia Prado, entre outros, buscam, então, uma problematização de cunho mais local, de forma a perceber nuanças diferentes para a questão de como sintetizar a multiplicidade bem como semelhanças da idéia de América Latina.
Outra tendência a se levar em consideração seria de desvincular os profissionais da pesquisa historiográfica que trabalhariam sob rigor teórico-metodológico dos chamados historiadores romancistas/ensaístas, por meio da especialização afim de que se gerasse uma ampliação no número de textos acadêmicos embasados por pesquisas mais densas. O senão em relação a tal "apuramento" do trabalho de pesquisa estaria exatamente no distanciamento que geraria onde as produções historiográficas latino-americanas passariam a ter uma leitura mais difícil; bem como o próprio historiador, em sua busca por afastar-se dos historiadores romancistas/ensaístas se valeria de um distanciamento também da política e da problemática social. Tal ato levaria a História ao patamar de ciência pura e seu profissional de cientista pleno, objetivo. Contudo, Flamarion ressalta que

(...)À maneira de discutir a questão, no caso da História, torna claro que, no fundo, é vista por muitos de um ângulo estreitamente pragmático, a partir de considerações éticas e ideológicas que a desejam como uma "técnica" e manifestam implicitamente total ceticismo quanto a suas possibilidades cientificas – posição que me parece romântica (...) (FLAMARION: 1986, p. 6.)

Deste modo, o surgimento de questões sobre a institucionalização e profissionalização da História seria não mais que tentativas de retrocesso que não levariam em conta o maior cuidado, que tal especialização gerou, com a produção historiográfica latino-americana, como também um olhar mais acurado para as questões sobre o ensino de história e de que forma se faria chegar às salas de aula as produções acadêmicas.
Por fim, é válido ressaltar também outros fatores historiográficos que parecem indicar por que caminhos a historiografia latino-americana começara a trabalhar. Buscando, por exemplo, a análise de documentos sob um olhar mais crítico, a História uniria forças com a Antropologia de maneira a desmitificar a historiografia hispano-americana tradicional, "branca", urbana, católica, gerando assim a chamada Etno-história. Além dessa tendência, a História também viria a fazer uso da chamada "quantificação sistemática"
[4], de forma a trabalhar com fontes seriais quantitativas, dados demográficos, cálculos relacionados à economia, fontes diversas, mas que somassem forças para uma análise historiográfica mais apurada. Também ocorre uma busca pela ênfase na história regional, onde cursos de pós-graduação são criados para trabalhar com as peculiaridades locais fugindo ao hábito de se generalizar a História do subcontinente. Contudo, é interessante, para se trabalhar com âmbitos recortados de análise, o respeito à idéia de que o micro necessita manter ligação com o macro sem que se queira a partir do primeiro, a partícula menor analisada historiograficamente, explicar o segundo, ou seja, a História da América Latina em seu todo. E por fim, mais recentemente, ocorre uma busca por ligações mais "próximas" entre o passado e o presente por meio da oralidade, encontrando-se no México o pioneirismo para se utilizar da História Oral como instrumento de interpretação dos acontecimentos do subcontinente.
Em suma, deve-se levar em conta que tendências por si só e isoladas não abarcam por completo o que seria a América Latina. E, por isso, a Historiografia latino-americana não trabalha para que seja encontrada uma verdade única – de maneira que se generalize tal objeto de estudo, no caso, o subcontinente – procurando, ao contrário, voltar-se mais tanto para os contrastes existentes de região para região quanto para suas semelhanças. E para tal a historiografia se utilizaria de ferramentas tradicionais bem como atuais de pesquisa buscando, por meio das várias e distintas interpretações trabalhadas teórico-metodologicamente, "a construção de uma problemática própria na qual espelham-se dimensões sociais, econômicas, políticas e culturais, ou históricas, de cada nação"
[5] formadora da América Latina.

[1] FLAMARION: 1986, 1.
[2] IANNI: Apud. CEDRO, 2008, 10.
[3] FLAMARION: 1986, 1.
[4] FLAMARION: 1986, 7.
[5] IANNI. Apud. CEDRO: 2008, 7.





Referências Bibliográficas:

CARDOSO, Ciro Flamarion Santana. A Historiografia Latino-Americana Recente: Desenvolvimento Metodológico. HISTORIA: ENSINO E PESQUISA, Porto Alegre, v. 02, n. 03, p. 65-75, 1986.

IANNI, Octavio. Interpretações da história: história e imaginação. In.: O labirinto latino-americano. Petrópolis: Vozes, 1993. In.: CEDRO, Marcelo (org.). Coletânea de textos. Vol. 1. Civilizações e Culturas da América I: 2008.

PAIVA, Carlos Henrique A. América Latina: desafios e dilemas em uma historiografia em transformação. In.: REVISTA ESPAÇO ACADÊMICO, nº. 52, set.