27/08/2017

Sangue, Medo e Humanismo em Macbeth




Macbeth: ficção ou realidade?

Por meio de um trabalho de crítica, buscar-se-á neste estudo analisar a obra shakespeareana Macbeth relacionando-a com o contexto social, político e cultural do período chamado Renascimento no qual esta foi produzida. Para tal é válido primeiramente gerar um hiato em tal análise, objetivando um entendimento sobre a base de criação da tragédia escrita por William Shakespeare, bem como sobre tal autor. E, para tanto, deve-se explicitar quem foi a figura histórica Macbeth e qual a conexão deste texto com o tempo de Shakespeare.

William Shakespeare nasceu em Stratford-on-Avon, Inglaterra no ano de 1564. Filho de comerciantes, deixou a cidade aos doze anos indo para Londres onde se tornou ator e, posteriormente, por volta de 1592, dramaturgo de reputação sólida; sendo sua companhia patrocinada, primeiro, pela rainha Elizabeth I e, a posteriori, por Jaime I. A trajetória de sua vida é ainda bastante nebulosa, mas acredita-se que enriquecera com suas quase quarenta peças, cento e cinquenta sonetos e dois poemas narrativos¹. As tragédias, ao que parece foram as maiores responsáveis por tornar Shakespeare a celebridade que ainda é atualmente. O dramaturgo também tornou-se um proprietário de terras, vindo a morrer, em 1616, em sua cidade de nascimento.

Shakespeare baseou-se em acontecimentos históricos da primeira metade do século XI para criar uma de suas maiores obras do conjunto das tragédias – ao lado de Rei Lear e Hamlet. Para efeito de esclarecimento, na época citada acima, teria vivido o rei escocês Macbeth (ou Mac Bethad, em gaélico), da casa de Molray. Sendo dos últimos reis de origem gaélica da Escócia e neto do rei Malcolm II, Macbeth tinha direitos legítimos ao trono tanto quanto Duncan e no ano de 1040, tornou-se rei, após vencer Duncan em batalha. Considerado um bom rei, seu governo fora próspero, sendo por fim, sucedido no trono em 1057 por Lulach, filho de sua esposa, Gruoch, com o primeiro marido dela. 

Mudando o foco, então, para o âmbito ficcional, a tragédia shakespeareana Macbeth se passa numa Escócia noturna e fantasmagórica que, ao se centrar na personagem-título, traz para o mundo ficcional muito do imaginário contemporâneo de Shakespeare. Escrita possivelmente em 1606², a peça conta a história do bem sucedido general Macbeth, vassalo do rei Duncan I, que após uma honrosa vitória em batalha tem o caminho cruzado por três bruxas que vaticinam sobre seu futuro, como thane³ – equivalente a um grande senhor de terras – de duas localidades na Escócia, bem como futuro rei.

Influenciado pela própria imaginação, Macbeth projeta antecipadamente os caminhos que o levariam ao trono escocês, percebendo assim que seu obstáculo maior, no caso, o rei Duncan, deveria ser removido; contudo, antecipadamente também, Macbeth já convivia com a consciência da gravidade de seu ato.

Os críticos da obra4 não conseguem entrar em um consenso sobre o mentor intelectual maior por detrás da tramoia contra Duncan: se seria Lady Macbeth, ansiosa pela posição de rainha; ou se o próprio Macbeth, que, aparentemente, passa a  pensar no poder como algo a se almejar somente após o encontro com as bruxas. De qualquer forma, os Macbeth em parceria planejam e executam o assassínio do rei escocês quando este se encontra hospedado no castelo do casal. O único "senão" de tal investida é o sangue que tinge as mãos de Macbeth e esposa para não mais sair.

Após a tragédia, Macbeth é coroado rei e tem o prazer, mesmo que momentâneo, de sentar-se ao trono. No entanto, o mote principal da história, o medo, volta a demonstrar sua força quando Macbeth recorda-se que as três bruxas profetizaram para Banquo, também general de Duncan, ser o glorioso futuro de sua linhagem real. O temor de perder o trono leva Macbeth, que, na história de Shakespeare, não tem herdeiros para sua coroa, a planejar a morte de Banquo. O objetivo é alcançado, mas como um revés do destino, o filho de Banquo, Fleance, consegue escapar à emboscada. Somado a isso, o fator imaginativo de Macbeth personifica sua consciência dos assassinatos na figura fantasmagórica de Banquo levando o rei a acessos de loucura. A desconfiança sobre as mortes de Duncan e Banquo firmam-se em relação a Macbeth e as conspirações para depô-lo se tornam evidentes quando Malcolm e Macduff buscam ajuda na Inglaterra. Ajunta a isso a insânia de Lady Macbeth que, após a morte de Banquo, enlouquece de culpa, buscando constantemente lavar-se do sangue que lhe tingia as mãos. 

Macbeth, sem mais o apoio presente de sua companheira de atos, busca respostas para suas dúvidas nas chamadas Mães-dos-Fados, as bruxas. E, por meio de aparições invocadas por estas, o rei atenta sobre seu destino. A primeira aparição fala a Macbeth sobre o passado, mandando-o tomar cuidado com Macduff (o nobre de quem foi tirada a vida da família inteira a mando de Macbeth). A segunda aparição fala do presente e do fim de Macbeth sob o julgo de um não nascido de uma mulher. E a terceira fala da incrível cena do fim do reinado do usurpador, quando a floresta próxima ao castelo subiria o monte até os portões da fortaleza. 

Os momentos que precedem a batalha, bem como durante seu acontecimento, são muito próximos, numa sequência que demonstra a derrocada para o fim do colérico rei escocês. Lady Macbeth, ao que dá entender na tragédia, é encontrada morta em seus aposentos - e mais tarde, saber-se-á que se matou diante do tormento de viver sob a loucura advinda da culpa. Paralelo a este episódio, Macbeth percebe-se sem o temor, que tanto ele próprio infligira a seu povo, enfrentando corajosamente o destino que o espera. Contudo, à medida que as profecias se tornam reais - como a floresta que ao se aproximar do palácio, descortina-se, na verdade, no exército de dez mil homens, comandado por Siward e Malcolm, filho de Duncan, que carregavam galhos a fim de ocultar temporariamente o poderio de suas forças -, o rei escocês fada-se a seu destino segurando-se na vã esperança de não existir sobre a terra um ser não nascido de uma mulher.

Entretanto, após o ataque e invasão da fortaleza, Macbeth peleja com Macduff, que descobre ter sido retirado do útero antes do tempo. Este luta e tira a vida do rei escocês - que se negara a lutar contra o nobre de quem dizimara toda a família. Desse modo, diante de todos Macduff ressurge com a cabeça de Macbeth e conclama Malcolm, filho de Duncan, como rei da Escócia.


As influências renascentistas

Apesar da licença poética empregada na criação do Macbeth, vilão e usurpador, de Shakespeare deve-se observar que as sucessões reais não eram estáveis nesta época (como também nunca o foram durante toda a História), perfazendo a passagem do trono sempre sob conflitos de interesses de famílias com laços de parentescos. Assim, a investida ao trono seria um reflexo natural do contexto político em que se encontrava Macbeth (tanto o ficcional quanto o não-ficcional) apoiado por outros que poderiam ver legitimidade em sua reivindicação ao trono.

É interessante considerar tal ponto para que se possa entender a mudança da personagem Macbeth da história, digamos real, para a peça shakespeariana. Primeiramente, a tragédia seria considerada uma das mais "pagãs" das peças de Shakespeare onde, apesar de permanecer seu cunho medieval e católico, "Macbeth nega qualquer pertinência à revelação cristã"5. Tal ato pode ser percebido nas várias passagens, onde, muitas vezes, se esperaria os rogos cristãos ante os crimes de Macbeth, mas que simplesmente inexistem. A individuação concernente à obra de Shakespeare em tal peça demonstra uma ruptura com uma literatura que a tudo justificava pelo dualismo, aonde o mal seria combatido veementemente pelo bem, encarnado na salvação cristã. Contudo, em Macbeth os parâmetros cristãos são evitados e até mesmo não se sabe ao certo se existirá um "além-morte" para os Macbeth. Tal ruptura é extremamente importante de ser tratada para que se perceba que o tipo de governo pensado por Macbeth não abriria espaço para que um poder temporal viesse a medir forças com o secular. A permuta entre o sagrado e o secular rende a ideia de governo de Macbeth como sendo de um absolutismo pleno.

O que se pode apreender também é que o livro possui uma influência de cunho político mais clara ainda: mostra uma resistência ao domínio inglês por parte dos descendentes celtas na pessoa do incontrolável rei Macbeth, combatido pelos ingleses. Shakespeare como homem de origem inglesa e sendo um artista patrocinado pelos monarcas ingleses, trouxe à baila tal revanchismo. Uma homenagem mais clara feita ao rei inglês seria o personagem Banquo, lendário ascendente dos Stuarts. Assim, querendo demonstrar seu patriotismo para com sua pátria – formada exatamente no reinado de Jaime I –, o dramaturgo mostra os meandros da política ligada, às vezes, ao apoio, às vezes, à interferência da Inglaterra.

Um ponto ressaltado, pela crítica literária Barbara Heliodora, nos fala da peça Macbeth como sendo sobre "uma afirmação do mal"6. Os meandros para se chegar ao poder passariam, assim, notadamente pela traição, perfídia, pela conspiração e pela influência do sobrenatural (que vaticina, ou seja, prevê o futuro do general Macbeth), bem como traz à baila a consciência de erros que deveriam ser cometidos em nome de um "bem" maior. Tais "males necessários" a uma consolidação de poder, no entanto, refletiriam bem a dinâmica da civilidade da Renascença. A violência encontrada em Macbeth choca mais nos tempos atuais do que surpreenderia aos contemporâneos de seu autor, visto que muitos dos que compareciam aos teatros elisabetanos estavam devidamente acostumados às execuções e decapitações em praça público; rompendo assim com a ideia de que o Humanismo dos séculos do Renascimento teriam acabado com o uso da violência e de ardis diversos que pudessem levar ao poder.

Assim, o Macbeth da peça, que teria sido escrita entre 1603 e 1606, poderia entender que certos atos eram imprescindíveis para que se tornasse rei e no trono pudesse se manter. Como homem de seu tempo, Shakespeare percebia ser desnecessário maquiar a verdade de seu tempo ao escrever uma peça que falasse da natureza humana sem tocar-lhe as partes mais frágeis, no caso, a disputa pela coroa. Contudo, a consciência que Macbeth tinha de seus atos o acompanharam, como que para mostrar-lhe o quanto ele – mesmo predestinado a ser grande – ainda assim, não passava de um ser imperfeito.


Macbeth: a imagem do medo

O Macbeth de Shakespeare é a "imagem" do medo. Ainda em sua tragédia, a peste e a fome se mantém como fantasmas do homem renascentista. A ruptura em relação às ideias medievais não ocorrem tão abruptamente como se pensaria. E, mais ainda, seria desnecessário romper-se com algo que manteria a ordem. Assim, além dos males considerados “castigos divinos”, vemos o monarca sofrer do temor de um regicídio, tal qual ele cometera. O medo tolhe sua mente e corpo e, ligado a uma  imaginação fértil, como a de Macbeth, leva-o a cometer os mais hediondos crimes a fim de conservar o que considera apenas seu por direito; tal qual o conceito firmado pelo rei Jaime I sobre o direito divino dos reis7. Tal ponto tem relevância direta para se entender o homem renascentista, pois ao acercar-se de si mesmo, ao perceber o horror que se encontra em seu interior, o homem se apercebe do quanto é o lobo de si mesmo.

O medo em  Macbeth parece também afastar o personagem principal da religião e aproximá-lo do sobrenatural. A história inteira passasse sob a influência do sombrio. Ao que parece Macbeth seria um aviso aos homens renascentistas para que não buscassem voltar às trevas da Idade Média. O paralelo que Shakespeare faria, então, em relação à peça e sua realidade seria vislumbrar o homem de sua época como aquele que buscaria, por meio da razão, explicar o mundo em que vive e no qual se organizava, sem, contudo, deixar de estar ligado ao supersticioso, ao não-natural, ao falho, ao imperfeito, que tanto o fazia recordar de seu caráter ainda medieval. Em Macbeth, pode-se perceber a busca pela manutenção da humanidade do rei, de sua sanidade; contudo, ela se perde em meio ao sangue que constantemente coagula-se em suas mãos.

O inexplicável, mais um medo com o qual não apenas Macbeth, mas também o homem renascentista teria de lidar, tem seu lugar quando a peça trata das três bruxas profetisas8, bem como no fantasma de Banquo assombrando, junto com sua linhagem, a cabeça coroada de Macbeth. As bruxas, tomadas quase à semelhança de forças como as parcas gregas, lembram sempre o caráter sobrenatural da peça. O temor ao desconhecido toma corpo e não mais deixa de ter interesse ao ser analisado pelo homem do Renascimento.
O autor de  Macbeth não busca por meio de sua tragédia romper com a religião oficial ou invalidá-la completamente. Ao contrário, a busca pelo desconhecido é um sinal claro de que o homem da renascença apesar de manter seus temores "antigos", passa a olhar o sobrenatural, o alheio à sua realidade, o que se "oculta nas sombras", de frente. A ciência caracteriza tal nova forma de olhar, pois mesmo que as referências ainda estejam na Antiguidade Clássica – como  demonstrado por Shakespeare ao dizer que Macbeth é noivo de Belona, a deusa romana da guerra9 –, o interesse pelo desconhecido interfere, mesmo na vida de reis – como Jaime I que chega a escrever um livro intitulado Daemonologie em 1597 por conta de sua obsessão com o sobrenatural.

Por fim, o mais interessante em relação ao Macbeth de Shakespeare e sua ligação com a época em que o escritor inglês viveu seria o ponto tratado por Liana Leão, em seu artigo sobre o livro Reflexões Shakespearianas da crítica literária Bárbara Heliodora, quando a doutora em letras - Liana Leão - atenta para o fato de que como o Édipo da tragédia grega, Macbeth cai na armadilha que ele mesmo cria ao simplesmente "não se conhecer a si mesmo, não saber se avaliar"10. A busca principal do homem renascentista cai por terra quando o Macbeth de Shakespeare ao buscar ser o rei perfeito para o reino perfeito, o faz por meio de erros e crimes sem perceber seus limites.

Assim, o panorama a respeito do homem renascentista abre-se como se tivesse um pé sobre uma nova era de comportamentos, pensamentos, ideias e costumes, porém, sem que estes mesmos homens se desfaçam dos medos, receios e ações violentas que os próprios renascentistas tanto gostavam de atestar como pertencentes a "atrasada idade das trevas". Macbeth seria a representatividade shakespeareana maior sobre a natureza do homem renascentista e todo horror que ela seria capaz de provocar. A mais sangrenta das peças de Shakespeare denota que as ideias humanistas, para firmarem o poderio de um governante, necessitariam da força e da violência, símbolos, também, da Renascença.



Texto de  Cristiane Vieira, Karine Resende, Camila Costa, Liliane Leite e Marcos Fernando




Notas:

[1] RAMOS. Apud. SHAKESPEARE: 1985, 153.
[2] BLOOM: 1998, 17.
[3] RAMOS. Apud. SHAKESPEARE: 1985, 130.
[4] (LEÃO: [200-] ), (RAMOS. Apud. SHAKESPEARE: 1985).
[5] BLOOM: 1998, 635.
[6] LEÃO: [200-], 3.
[7] LOPES: 1992.
[8] As bruxas chamadas na versão original por Weird Sisters teriam sido colocadas na história por Shakespeare como uma forma de agradar a Jaime I, que unificara os reinos de Escócia e Inglaterra, quando este andava obcecado com bruxas e feitiços ao ponto de escrever uma Daemonologie em 1599.
[9] BLOOM: 1998, 648.
[10] LEÃO: [200-], 3.




Referências Bibliográficas:

Livros:

BLOOM, Harold. Shakespeare: a invenção do humano. Trad. José Roberto O'Shea. Rio de Janeiro: Ed. Objetiva, 1998.

CHABOD, Federico. Al renacimiento em lãs interpretaciones recientes. In. Escritos sobre el Renacimiento. Ciudad del Mexico: Fondo de Cultura Económica, 1990.

HELIODORA, Bárbara. A expressão dramática do homem político em Shakespeare. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.

LOPES, Marcos A. O direito divino dos reis: para uma História da linguagem política no antigo regime. In.: Síntese Nova fase. v.19 nº 57. FAFI-BH, Belo Horizonte: 1992.

SHAKESPEARE, William. Macbeth. Trad. Péricles E. da Silva Ramos. São Paulo: Círculo do Livro, 1985.


Links para Internet:

____________. Macbeth, de William Shakespeare. http://www.passeiweb.com/ na_ponta_lingua/livros/resumos_comentarios/m/macbeth   acesso em 18/08/2008.

____________. Duncan and MacBeth. http://www.historic-uk.com/HistoryUK/ Scotland-History/DuncanandMacbeth.htm  acesso em 18/08/2008.

LEÃO, Liana. Um Shakespeare em primeira mão. [200-]. www.utp.br/eletras/ea/eletras11 /texto/Resenha11_1.doc   acesso em 18/08/2008.

16/09/2009

Início da Guerra de Independência do México



O processo de independência do México marcou a quebra do pacto colonial em uma das mais importantes possessões espanholas no continente americano. Sendo uma região de economia estritamente rural, o México tinha grande parte de sua população vinculada a tais atividades. A crise instalada pelas invasões napoleônicas promoveu uma brecha na qual os primeiros levantes foram organizados.
Mesmo tendo interesses no processo de independência, a elite criolla (filhos de espanhóis nascidos na América) temia que a organização de um processo revolucionário mobilizasse as camadas populares em defesa da ampliação dos direitos políticos, sociais e econômicos. No entanto, a chegada da administração napoleônica, instruída pelos ideais iluministas e o retorno do antigo modelo colonial hispânico, com a queda de Napoleão Bonaparte, foi responsável pela preparação dos primeiros movimentos da guerra.
Em 1810, o pároco Miguel Hidalgo y Costilla ensaiou um primeiro movimento revolucionário. Defendendo o fim das relações coloniais e a devolução das terras às populações indígenas, Hidalgo mesclava idéias anticoloniais e propostas reformistas dentro do movimento por ele organizado. Imbuído de tais propostas, conclamou índios e mestiços para que lutassem contra o governo espanhol. Apoiado por esses grupos, o movimento de Hidalgo perseguiu a gachupines (elite hispânica) e os criollos, considerados pelos populares seus maiores repressores. O movimento obteve grandes proporções e uma verdadeira guerra contra os representantes da elite fora deflagrada. Contando com o apoio das tropas coloniais espanholas, a revolta foi controlada e Hidalgo foi preso e condenado à morte.
No ano de 1812, o sacerdote José Maria Morelos organizou um novo levante popular onde os limites da nova ordem social defendida sofreram forte oposição de uma minoria detentora de posses e direitos. Atentando-se para a força do movimento de independência a própria Coroa se incumbiu de ordenar o processo. Representando os poderes coloniais, Augustín Itúrbide implementou um projeto de reforma política que ficou conhecido como Plano Iguala. Em tal proposta, o México tornou-se uma monarquia independente. No plano político, criollos e gachupines teriam os mesmos direitos políticos. A fé católica e a antiga configuração agrária excludente seriam reafirmadas por esse governo.
Depois de proclamar a independência do país, o México foi governado pelo próprio Itúrbide, sob o título de imperador Augustín I. Não apoiado pelos florescentes movimentos republicanos do país, Augustín foi logo deposto e assassinado. No ano de 1824, o país tornou-se uma república presidida pelo general Guadalupe Vitória.
Sem alcançar os ideais populares das primeiras manifestações revolucionárias, o México apenas assistiu a ampliação da autonomia política das elites que já dominavam a região. Com isso, o processo de exclusão, pobreza e dependência econômica foram ainda responsáveis por outros levantes como o da Revolução Mexicana de 1910.

Fonte do texto: Brasil Escola

05/09/2009

A Historiografia Latino-Americana em Transformação


O entendimento acerca do que seria a "historiografia latino-americana poder-se-ia ser somente sobre "o conjunto das obras de História elaboradas acerca da América Latina" [1] sendo levadas em conta de maneira mais específica, as obras escritas por historiadores originários do próprio território. Contudo, a que se levar em conta o sentido que o termo, a idéia América Latina teria em si, de maneira a se perceber a construção de tal História sob também os auspícios de escritores estrangeiros. Desta forma, a problemática gerada em torno do que seria a América Latina viria a trabalhar o território como um todo. Entretanto, é exatamente a historiografia que demonstra que a América Latina deve ser analisada diante de suas semelhanças bem como de seus contrastes, levando desta forma em consideração os diversos temas e interpretações acerca deste espaço histórico-geográfico. A idéia, assim, de América Latina forma-se por meio de interpretações por vezes complementares entre si, sem, contudo, também possuírem divergências demonstrando sempre que as nações que compõem o subcontinente possuem características semelhantes, mas também pontos que as distinguem e levam suas histórias nacionais a rumos diferentes entre si.
Sob tais visões historiográficas distintas conceitos como civilização e barbárie, instabilidade política, lutas sociais, fragilidade da sociedade civil, autoritarismo, revoluções entre outros se tornam características do subcontinente, como parte da História escrita sobre o território de forma generalizante. Tais visões encerram estilos de pensamentos muitas vezes gerados por autores estrangeiros como os americanistas ou brasilianistas, em geral, estrangeiros, viajantes, curiosos do exotismo do subcontinente, que levam a tomar a História da América Latrina, bem como sua escrita como sobre um todo homogêneo, não distinguindo suas peculiaridades regionais.
No entanto, algumas interpretações mostram tendências e/ou correntes de pensamentos que tratam da multiplicidade de caracteres que compõem os sentidos de sociedade, nação e história na América Latina de forma a tornar sua historiografia mais regionalizada. Tais interpretações chegam mesmo a serem extremamente diferenciadas por abarcarem outras "realidades, situações e idéias"
[2]sendo, contudo, utilizadas como referência comum. Segundo algumas interpretações, América Latina seria o confronto permanente entre "civilização e barbárie". De acordo com outros estilos de pensamento, seria a "instabilidade política" que não abriria campo para progressos e mudanças reais. E, por fim, para outros, a soma entre "barbárie" e "instabilidade" é que geraria as lutas sociais perfazendo, então, uma gama diversa de interpretações que demonstram não um apenas caminho que esteja sendo trilhado pela historiografia latino-americana, mas vários que se fiam exatamente pelas características, semelhantes e de contraponto, que comporiam a História Latino-americana.
A todo este contexto junta-se o interesse dos pesquisadores norte-americanos por temas da realidade latino-americana. Por conta do processo de formação da História do território possuir um caráter universalizante, a influência estrangeira se faz sentir. Em relação aos norte-americanos o interesse pela História Latino-americana seria uma forma de evitar futuros "problemas" como o fora a chamada Revolução Cubana. Tal ação de possível caráter político-externo visando um controle sobre as ações e manobras surgidas no contexto latino-americano numa forma de reação a eventos políticos como este gerara uma intensificação da produção de obras de caráter americanista de forma a apreender os mecanismos de funcionamento do subcontinente, que, se não benéfica, demonstrou que havia muito ainda para ser trabalhado e analisado sobre o que seria a América Latina e suas múltiplas faces.
Todavia, campos de estudos mais bem organizados para o trabalho historiográfico são poucos. Ciro Flamarion cita alguns que teriam preparo para que ocorressem produções historiográficas as quais não deixariam a desejar em relação em relação a uma comparação com as produções internacionais
[3]. Em primeiro lugar, o autor cita o México como campo de estudo na vanguarda da historiografia latino-americana e possuidor de vasto material de pesquisa. Em seguida, viriam Brasil e Argentina que, apesar de relativamente atrasados em alguns pontos, também são áreas de trabalhos proveitosos. Depois destes, situando-se numa área intermediária, viriam Venezuela, Peru e Costa Rica e, por último, contudo em posição desfavorável, se localizariam Honduras, Equador e Paraguai. Os demais países, por fim, sequer são citados, demonstrando o quanto ainda os campos de estudos que necessitam de atenção praticamente inexistentes em relação à produção historiográfica.
À falta de trabalhos preparatórios vem se juntar a heterogeneidade regional que levam a conclusões superficiais e parciais sobre os estudos fazendo muitas vezes com que os estilos de pensamento latino americanos se aproximem das teorias, temas e paradigmas da Europa e Estados Unidos, numa tentativa de completar as lacunas com modelos não-latino-americanos pré-concebidos para trabalhar a análise historiográfica perfazendo um ciclo de intercâmbio que não satisfaz completamente a compreensão do que se entende, por exemplo, por América Latina influência exógena ocorre então numa mescla intermitente das correntes de pensamentos latino-americanas com as teorias externas ao subcontinente que acabam por gerar produções descaracterizadas, no que concerne ao âmbito local, por sofrerem a influência de culturas, por meio de seus modelos de análises, não locais, levando, assim, a uma problematização segundo critérios que não abarcam as singularidades, as particularidades inerentes à própria América Latina.
A partir da década de 1970, segundo o ensaio de Carlos Henrique Paiva, a historiografia latino-americana voltou-se para um estudo das particularidades focando os trabalhos historiográficos nas análises que tratassem da chamada "história social", dos traumas e medos que decorreriam do processo de colonização da América.
Ciro Flamarion, contudo, vai mais longe ao pinçar os fatores gerais de desenvolvimento da historiografia na América Latina iniciando-se aproximadamente na metade do século passado, ressaltando que muito do que então fora produzido limitava-se aos espaços acadêmicos não gerando discussões de ordem pública benéficas a geração de conscientização e questionamento social. Alem disso, nas produções historiográficas latino-americanas permanecera inexistente uma continuidade, um prosseguimento em tais estudos, por uma verdadeira ausência de planejamento temático das pesquisas; de maneira que, por ser uma escolha individual, perder-se-ia por completo a densidade que ocorreria numa pesquisa para a qual se voltasse um grupo maior de especialistas.
Tal dispersão de temas também seria conseqüência do isolamento em que muitas vezes se encontraria o pesquisador. Em menor número e não tão valorizados, estes profissionais não podiam fazer uso de uma intercomunicação com outros iguais que levasse a se tornar público não apenas o seu trabalho mas também criando um intercâmbio sobre o nível em que se encontrariam outras problemáticas da historiografia latino-americana semelhantes pelo resto do subcontinente.
Tal interligação não apenas contribuiria para uma melhora considerável na produção histórica latino-americana como também suscitar novos caminhos para a análise local que diminuiria a influência de problemáticas exógenas; levando os pesquisadores a buscarem em seu próprio âmbito os instrumentos, os critérios metodológicos, técnicas, conceitos e paradigmas condizentes com uma realidade não-européia e/ou não-norte-americana. E em se tratando de romper com esta tendência historiográfica, aonde os temas, problemas e questões têm seus modelos explicativos importados pra fins de uso nas análises sobre acontecimentos locais, autores como Enrique Florescano e Maria Ligia Prado, entre outros, buscam, então, uma problematização de cunho mais local, de forma a perceber nuanças diferentes para a questão de como sintetizar a multiplicidade bem como semelhanças da idéia de América Latina.
Outra tendência a se levar em consideração seria de desvincular os profissionais da pesquisa historiográfica que trabalhariam sob rigor teórico-metodológico dos chamados historiadores romancistas/ensaístas, por meio da especialização afim de que se gerasse uma ampliação no número de textos acadêmicos embasados por pesquisas mais densas. O senão em relação a tal "apuramento" do trabalho de pesquisa estaria exatamente no distanciamento que geraria onde as produções historiográficas latino-americanas passariam a ter uma leitura mais difícil; bem como o próprio historiador, em sua busca por afastar-se dos historiadores romancistas/ensaístas se valeria de um distanciamento também da política e da problemática social. Tal ato levaria a História ao patamar de ciência pura e seu profissional de cientista pleno, objetivo. Contudo, Flamarion ressalta que

(...)À maneira de discutir a questão, no caso da História, torna claro que, no fundo, é vista por muitos de um ângulo estreitamente pragmático, a partir de considerações éticas e ideológicas que a desejam como uma "técnica" e manifestam implicitamente total ceticismo quanto a suas possibilidades cientificas – posição que me parece romântica (...) (FLAMARION: 1986, p. 6.)

Deste modo, o surgimento de questões sobre a institucionalização e profissionalização da História seria não mais que tentativas de retrocesso que não levariam em conta o maior cuidado, que tal especialização gerou, com a produção historiográfica latino-americana, como também um olhar mais acurado para as questões sobre o ensino de história e de que forma se faria chegar às salas de aula as produções acadêmicas.
Por fim, é válido ressaltar também outros fatores historiográficos que parecem indicar por que caminhos a historiografia latino-americana começara a trabalhar. Buscando, por exemplo, a análise de documentos sob um olhar mais crítico, a História uniria forças com a Antropologia de maneira a desmitificar a historiografia hispano-americana tradicional, "branca", urbana, católica, gerando assim a chamada Etno-história. Além dessa tendência, a História também viria a fazer uso da chamada "quantificação sistemática"
[4], de forma a trabalhar com fontes seriais quantitativas, dados demográficos, cálculos relacionados à economia, fontes diversas, mas que somassem forças para uma análise historiográfica mais apurada. Também ocorre uma busca pela ênfase na história regional, onde cursos de pós-graduação são criados para trabalhar com as peculiaridades locais fugindo ao hábito de se generalizar a História do subcontinente. Contudo, é interessante, para se trabalhar com âmbitos recortados de análise, o respeito à idéia de que o micro necessita manter ligação com o macro sem que se queira a partir do primeiro, a partícula menor analisada historiograficamente, explicar o segundo, ou seja, a História da América Latina em seu todo. E por fim, mais recentemente, ocorre uma busca por ligações mais "próximas" entre o passado e o presente por meio da oralidade, encontrando-se no México o pioneirismo para se utilizar da História Oral como instrumento de interpretação dos acontecimentos do subcontinente.
Em suma, deve-se levar em conta que tendências por si só e isoladas não abarcam por completo o que seria a América Latina. E, por isso, a Historiografia latino-americana não trabalha para que seja encontrada uma verdade única – de maneira que se generalize tal objeto de estudo, no caso, o subcontinente – procurando, ao contrário, voltar-se mais tanto para os contrastes existentes de região para região quanto para suas semelhanças. E para tal a historiografia se utilizaria de ferramentas tradicionais bem como atuais de pesquisa buscando, por meio das várias e distintas interpretações trabalhadas teórico-metodologicamente, "a construção de uma problemática própria na qual espelham-se dimensões sociais, econômicas, políticas e culturais, ou históricas, de cada nação"
[5] formadora da América Latina.

[1] FLAMARION: 1986, 1.
[2] IANNI: Apud. CEDRO, 2008, 10.
[3] FLAMARION: 1986, 1.
[4] FLAMARION: 1986, 7.
[5] IANNI. Apud. CEDRO: 2008, 7.





Referências Bibliográficas:

CARDOSO, Ciro Flamarion Santana. A Historiografia Latino-Americana Recente: Desenvolvimento Metodológico. HISTORIA: ENSINO E PESQUISA, Porto Alegre, v. 02, n. 03, p. 65-75, 1986.

IANNI, Octavio. Interpretações da história: história e imaginação. In.: O labirinto latino-americano. Petrópolis: Vozes, 1993. In.: CEDRO, Marcelo (org.). Coletânea de textos. Vol. 1. Civilizações e Culturas da América I: 2008.

PAIVA, Carlos Henrique A. América Latina: desafios e dilemas em uma historiografia em transformação. In.: REVISTA ESPAÇO ACADÊMICO, nº. 52, set.